segunda-feira, 26 de março de 2012

Amores platônicos

Abaixo posto duas poesias que fiz em 2007. Nessa época, eu ainda via romance em amores platônicos, resquícios da minha adolescência. Idealizava os homens por quem sentia atração, mesmo que não os conhecesse bem. Está certo que em 2007, o idealismo adolescente já estava em grande parte dissolvido.

Acho que é tudo culpa do Romantismo. É muito bacana, muito legal esta de colocar o objeto amado num pedestal, não ver suas falhas e atropelar até mesmo desejos e convicções próprias para se estar com ele. O amor romântico ainda é muito disseminado atualmente, em filmes, novelas e até nas revistas femininas. Hoje em dia vejo que este amor é uma balela.

Não tenho mais um pingo de paciência para gostar de quem não gosta de mim, como diria o cancioneiro brega nacional. Estou mais para Rita Lee: “Enquanto estou viva, cheia de graça, talvez ainda faça um monte de gente feliz” e “Eu sei que agora eu vou é cuidar mais de mim”. Acho que o primeiro amor que se deve sentir é o auto-amor, um respeito por si próprio, pelos seus princípios. Depois sim, respeitar o próximo, não de forma idealizada, mas saber que ele tem características próprias, personalidade singular. Prefiro dizer “características particulares” que defeitos. Parece que o segundo termo se refere a um produto.

Gosto mesmo é de um amor real, em que gestos contam mais que palavras, em que conhecimento de tudo o que a pessoa é supera idolatrar o outro, passando por cima de qualidades e defeitos para encaixar o companheiro na sua definição de alma gêmea. Amor honesto, humano, falho, verdadeiro.

Ninguém nasceu para ser alma gêmea de ninguém. Depois que descobri isso, a vida se tornou muito mais leve. Sou um inteiro, que pode ser complementado por outro inteiro. Chega de ansiedade, de procura desenfreada, idealizações tolas. Agora, não procuro mais ninguém. Se alguém se interessar por mim e eu pela pessoa, ótimo, dou uma chance. Não deu certo: pode dar com outra pessoa, sem ter sido culpa de ninguém. Sem melodrama, sem nada. Com dor, sim, tristeza e choro, mas sem me matar.

“O amor é primo da morte”, já dizia Drummond. Só que é fruto da vida. Nasce da necessidade de viver melhor com alguém ao seu lado apoiando, de querer ser melhor, de gerar, quem sabe, outra vida. Abaixo ao amor romântico e falso de comédias românticas juvenis! Viva o amor construído passo a passo, que vence mágoas, erros, que se firma no tempo, que aprofunda amizades, que mantém o tesão.

Junto aos meus poemas platônicos, posto também um samba gostoso do Chico Buarque, que fala de um amor nada ideal, tanto que a música se chama “Amor Barato”.

Tigre
Rita Cammarota

Por que tão lindo assim?
Chega a ser covarde
Não se envergonha dos seus olhos
De tigre voltados para mim?

Mais que um tigre me devora
Não resisto aos dentes brancos
Que pelo chão vêm me arrastando

Penso nas unhas fincadas nas costas
Da tigresa que você prefere
Não sabe que isso me fere?
De inveja me mata e gosta...

Fadada estou, longe das árvores
Que seus olhos habitam
Resigno-me a admirar-te
De longe através das grades

Pensamento em você
Rita Cammarota

O pensamento de você me invade
Entra sem convite, arranca a porta
Da mente, do coração, me corta
Lança-me no chão e me ataca, covarde

Tento me libertar, impotente,
E o sentimento me agarra pelas pernas
Sem pedir desculpas ternas
Revira-me como se eu fosse indigente

Já não posso lutar
A guerra está perdida
Hoje me sinto vencida

Náufraga, não sei mais nadar
As ondas me cobrem, e despida
Perco-me em seu olhar





Amor Barato
Chico Buarque

Eu queria ser um tipo de compositor
capaz de cantar nosso amor modesto
um tipo de amor que é de mendigar cafuné
que é pobre e às vezes nem é honesto

Pechincha de amor, mas que eu faço tanta questão
que se tiver precisão, eu furto
Vem cá meu amor, agüenta o teu cantador
me esquenta porque o cobertor é curto

Mas levo esse amor com o zelo de quem leva o andor
eu velo pelo meu amor que sonha
que, enfim, nosso amor, também pode ter seu valor
também é um tipo de flor
que nem outro tipo de flor
dum tipo que tem que não deve nada a ninguém
que dá mais que Maria-Sem-Vergonha

Eu queria ser um tipo de compositor
capaz de cantar nosso amor barato
Um tipo de amor que é esfarrapar e cerzir
que é de comer e cuspir no prato

Mas levo esse amor com o zelo de quem leva o andor
eu velo pelo meu amor que sonha
que, enfim, nosso amor, também pode ter seu valor
também é um tipo de flor
que nem outro tipo de flor
dum tipo que tem que não deve nada a ninguém
Que dá mais que Maria-Sem-Vergonha

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