sexta-feira, 10 de junho de 2011

A última flor do Lácio

A última flor do Lácio (Olavo Bilac)
Última flor do Lácio, inculta e bela
És, a um tempo, esplendor e sepultura;
Ouro nativo, que na ganga impura
A bruta mina entre os cascalhos vela...
Pronominais (Oswald de Andrade)
Dê-me um cigarro
Diz a gramática
Do professor e do aluno
E do mulato sabido
Mas o bom negro e o bom branco
Da Nação Brasileira
Dizem todos os dias
Deixa disso camarada
Me dá um cigarro


Resolvi escrever este texto em honra da minha bela língua portuguesa. Não a ensinada na escola, mas a falada todos os dias pelo povo. Alguém me acusará de ser contra a norma culta, dirá que a língua escrita tem primazia sobre a oral, como insistem os leigos. A modalidade escrita tem muita importância, assim como padrão culto,  e tratarei dela em outro post.

Homenageio agora a oralidade, por ser este o aspecto mais dinâmico da língua. É o idioma uma manifestação social e cultural da sociedade, o modo como seus indivíduos comunicam-se entre si. A sociedade muda, a língua muda, evolui com as transformações. E, mesmo assim, há quem torça o nariz às transformações ao dizer que a língua está decadente, ninguém sabe mais falar corretamente, importam-se palavras. Geralmente, essas reclamações vêm de gente que sequer estudou português além dos bancos da escola.

Torcem o nariz, sem saber de onde a língua portuguesa se originou. Nosso idioma não nasceu dos oradores romanos, de Cícero, de Horácio, nem do latim literário. Nasceu com o povo iletrado ou pouco letrado. Sabe aquelas pessoas que falam “nós pega o peixe”? Pois é, assim nasceu o português. Com os trabalhadores, comerciantes, dia após dia. Por isso o poeta parnasiano Olavo Bilac a qualificou de inculta.

A variedade do Latim que originou o português é chamada por muitos de Latim Vulgar, por não ter sido ensinado nas escolas, mas falado pela maioria da população. Cabe lembrar que o latim vulgar era um conjunto de variantes, haja vista o tamanho do império romano. Foi desse aspecto do latim que surgiram o francês, o espanhol, o português, o romeno. O português é a mais jovem das línguas neolatinas, daí ser conhecido como  a última flor do Lácio.

Escrevo este texto porque a riqueza da língua não está só nos livros, indispensáveis para conhecermos o idioma, mas limitados pela norma culta. A beleza da língua é ser um organismo vivo, não-estático, agraciado e enriquecido pelos nativos do idioma. A graça são as variedades regionais e, por que não, sociais, escondidas pela gramática normativa. No inglês britânico, existe o cockney, falado por operários; sendo, portanto, uma variante social. É mais feia ou inútil que as outras? Não, é diferente, mas compõe a língua inglesa tanto quanto o BBC English, apesar de não ter o mesmo prestígio. Acrescenta à língua.

Acrescentam também à língua os empréstimos lingüísticos, tão criticados por alguns. Esquecem-se eles de que é natural a incorporação de novos vocábulos, especialmente aqueles que ainda não existem no idioma. Esquecem que o próprio português é uma miscelânea devido às invasões que Portugal sofreu e à convivência com povos vizinhos. E o português tem riquíssimas influências africanas, francesas, árabes e européias.

Quero viver o português, o português diário, rico, seja ele recitado em poemas, esteja numa mesa de bar ou com minha família. O português que evolui, que, ainda bem, não é estático ou mumificado como querem alguns. Que muda, conforme os ventos sopram e cujas mudanças poderão ser incorporadas, sim, à língua escrita. Amo-te, flor do Lácio!  Ainda que inculta, és muito bela.

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Este obra de Rita Cammarota, foi licenciado sob uma Licença Creative Commons Atribuição-Uso não-comercial-Vedada a criação de obras derivadas 3.0 Unported.