sábado, 4 de junho de 2011

Espelho meu, por que feres?

Mulher ao espelho 
Hoje que seja esta ou aquela,
pouco me importa.
Quero apenas parecer bela,
pois, seja qual for, estou morta.

Já fui loura, já fui morena,
já fui Margarida e Beatriz.
Já fui Maria e Madalena.
Só não pude ser como quis.

Que mal faz, esta cor fingida
do meu cabelo, e do meu rosto,
se tudo é tinta: o mundo, a vida,
o contentamento, o desgosto?

Por fora, serei como queira
a moda, que me vai matando.
Que me levem pele e caveira
ao nada, não me importa quando.

Mas quem viu, tão dilacerados,
olhos, braços e sonhos seus
e morreu pelos seus pecados,
falará com Deus.

Falará, coberta de luzes,
do alto penteado ao rubro artelho.
Porque uns expiram sobre cruzes,
outros, buscando-se no espelho.

                        -- Cecília Meireles --


Em primeiro lugar, quero dizer que vaidade e aparência são importantes. A vaidade é o cuidado consigo e a apresentação diante do mundo é essencial, pois é como os indivíduos são primeiramente conhecidos. Ninguém quer se mostrar ao outro como alguém sem bom senso.
Passei a adolescência toda e até o fim da infância preocupada com aparência. Talvez isso me leve a escrever sobre o tema. Sentia-me feia, fui uma adolescente esquisita e sempre me cobrei. Por isso, esta reflexão também é direcionada a mim, sem hipocrisia. Importo-me com isso, mas de forma crítica.

Que todas queiram ser belas, não há problema. Nem com a vaidade. A questão é quando esta vaidade impede de apreciar quem somos pelas nossas peculiaridades. Só para ficar na estética: as revistas femininas reproduzem o padrão da moda, as masculinas seguem. Só esquecem que 90% da população das mulheres não se encaixa nesse perfil. Gisele é linda – quem dirá que não? –mas é linda porque naturalmente é assim. Cuida-se, claro, mas tem o biótipo procurado nas modelos.

Dizer isso é chover no molhado, mas não impede milhões de mulheres de entrarem na faca em busca de um corpo que não nasceram geneticamente para suportar. Quantas mortes e infelicidade seriam evitadas se aprendêssemos a nos amar, não só pela aparência, mas por nossas qualidades? Auto-estima não é gostar de se ver no espelho apenas. Auto-estima é, ora bolas, você se estimar, se respeitar enquanto pessoa.

Não é necessário chegar ao extremo da cirurgia. Diga-me uma mulher que está satisfeita com seu corpo ou consigo mesma. Raríssimas responderão sim. Todas mudariam algo, mesmo sendo naturalmente bonitas. Algo está errado. Algo está errado quando não se pode ser como é, porque não é o suficiente para sentir-se bem.

Na poesia da minha musa Cecília Meireles, ela diz “Só não pude ser como quis”. Que existência infeliz a da pessoa que não se aceita como é, não consegue ser como quer. Ou melhor, que tentou de tudo, foi loira e morena, Maria e Madalena, só não pôde ser ela mesma. Não bastava.

Se essa mensagem é negativa para adultos, que dirá para crianças. Formando sua auto-imagem conforme esses padrões. Meninas desde cedo super preocupadas com aparência e os pais achando “bonitinho”. Depois, a mesma sociedade tachará de imbecis e fúteis as adolescentes anoréxicas e bulímicas. Não cheguei a esse ponto, mas fui muito infeliz na adolescência, primeira juventude, por conta de aparência. Sinto profunda compaixão por essas meninas, buscando um padrão irreal, que só cultivaram excessivamente porque, ora, a beleza exterior é supervalorizada.
Essa supervalorização é preocupante. Que qualidades estão sendo postas em primeiro lugar na cabeça de uma criança? Estética ou caráter? Corpo bonito ou determinação? É muito claro o privilégio ao exterior. É só abrir qualquer revista ou jornal. Que tipo de mulher é valorizada, clicada e por que. Cabe a nós, mulheres, questionar esse padrão, sem deixarmos de nos cuidar por nós mesmas, pela nossa saúde e existência.

Parece que falando desse jeito eu não uso maquiagem ou vestidos. Não sou. Sou feminina, gosto de moda, malho e, se pudesse, usaria vestidos todo dia, mas nunca perco de vista que jamais serei uma modelo, não tenho 1,80m, não sou magrela. Contudo, não posso deixar de me apreciar, não só pelo meu corpo, mas principalmente por quem eu sou. Sou honesta, sincera, amiga, trabalhadora, determinada e principalmente amada. E são essas qualidades que vão me sustentar quando eu envelhecer, não a plástica. E você? Tem expirado buscando-se no espelho?

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