sexta-feira, 3 de junho de 2011

Traduzir-me

Traduzir-se

Uma parte de mim
é todo mundo:
outra parte é ninguém:
fundo sem fundo.

Uma parte de mim
é multidão:
outra parte estranheza
e solidão.

Uma parte de mim
pesa, pondera:
outra parte
delira.

Uma parte de mim
almoça e janta:
outra parte
se espanta.

Uma parte de mim
é permanente:
outra parte
se sabe de repente.

Uma parte de mim
é só vertigem:
outra parte,
linguagem.

Traduzir uma parte
na outra parte
— que é uma questão
de vida ou morte —
será arte?

          --Ferreira Gullar--

Este poema sempre me marcou. Parece que fala sobre mim. Sobre todos, na verdade. O paradoxo que é ser humano, de ser bom e amigo e ser capaz de atrocidades e mesquinharias ao mesmo tempo. Acho, porém, que o poema vai além do paradoxo bem/mal, sequer toca profundamente nele.
Fala do paradoxo humano de viver, de a cada dia se descobrir e se espantar com si próprio, de ser parte de um grupo ao mesmo tempo não se sentir parte de nada, estranho e só. Assim me sinto, parte da multidão inominada, da “massa da cidade” e, ao mesmo tempo, tão minha que nunca ninguém realmente me soube. Noto meu profundo egoísmo neste texto. Acho que escrever um blog é transformar a parte vertigem em linguagem, tornar a estranheza e a solidão públicas. Quero com ele me expressar, a partir de textos de meus poetas/compositores/autores preferidos, que tantas vezes me delineiam melhor do que eu poderia fazer. E desabafar quando eu quiser. E falar besteiras também.
Que a minha parte linguagem me ajude!!!
Quem quiser ler minhas bobagens, bem vindo!

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Este obra de Rita Cammarota, foi licenciado sob uma Licença Creative Commons Atribuição-Uso não-comercial-Vedada a criação de obras derivadas 3.0 Unported.